sexta-feira, 17 de outubro de 2008

SOMBRA














Um pinheiro.
Olho esta vida aqui no areal,
Serena, ao vento, ao sol e ao cheiro
Deste mar animal;
Meço-lhe o pé seguro,
A largura dos braços e a certeza
Que tem de cima abaixo de ser duro
Conforme lhe mandou a natureza;
E deito-me à sombra dele, no chão,
- No mesmo chão onde eu não pude ser
Nada mais do que um bicho anão
A gemer.

Miguel torga

MARÃO: da Ermida à Sª da Serra






Quem estiver disposto a calcorrear a Serra do Marão, o segundo ponto mais alto de Portugal continental, consegue, concerteza, encontrar o deslumbramento que a natureza sempre oferece.



Depois de um esforço acentuado (porque se sobe de uns curtos 735 metros e termina-se nos 1416metros) a paisagem é digna de um Olimpo, onde os deuses moram e, no paraíso idílico veêm todos os homens. A perfeição está lá, nunca igualada pelo homem.






Começa-se na aldeia de Ermida, no concelho de Santa Marta de Penaguião. O acesso faz-se, a partir da estrada IP4. Se se vem de amarante ou Porto, o melhor é sair no cruzamento da Pousada de S. Gonçalo, seguindo a estrada nacional N15 na direcção de Vila Real até encontrar, na Boavista, o cruzamento com a N1240, onde se vira à direita. Na senhora do Viso, volta a virar-se à direita pela 1240-4 até à aldeia de Ermida. Se se vem de Vila Real, deve sair-se do IP4 no cruzamento da Campeã, seguir a N15 até ao cruzamento da Boavista (sentido Porto) e depois são as mesmas referências.






Como é um percurso linear, terá de se ter um apoio no final, na Senhora da Serra, cujo acesso se faz a partir do cruzamento na Pousada de S. Gonçalo, no Alto de Espinho.






O mapa usado deve ser a Carta Militar do Instituto Geográfico do Exército, folha nº 114.




É um percurso linear, que não convém fazer sozinho. O grau de dificuldade é acentuado, embora se possa fazer em cerca de 3 a 4 horas, consoante a preparação física e a idade.




A aldeia de Ermida está pendurada nos contrafortes da serra que fica em frente à fraga com o mesmo nome, onde nasce a ribeira (mais tarde rio) serumenha (sermanha para os residentes mais a sul). É uma ruela extremamente inclinada, onde não convém tentar subir com automóvel, a não ser que tenha tracção às 4 rodas. Para além disso é muito estreita. No entanto, no final da aldeia começa a surgir o estradão de terra batida que nos levará aos píncaros.




É um percurso em que está indicada a direcção que pretendemos, mas não existe marcação conforme as normas dos caminheiros.




São cerca de 7,5 a 8 Km, quase sempre a subir. Os últimos dois kilómetros, apresentam maior inclinação ainda. Mas, parar para admirar a paisagem, conduz ao espanto enquanto o corpo se recompôe.



Começa-se por sentir a enorme proximidade da Fraga da Ermida, quase apetecendo tocar-lhe. Até um pouco mais de metade do percurso esta fraga (que atinge um desnível vertical de mais de 500 m) irá seguir-nos, ora em frente, ora à nossa direita, cada vez mais perto e cada vez mais junto à sua cumeada. Por cima de Póvoa da Serra, deixaremos o seu contacto para sentir as fragas do Marão a "cairem" sobre os nossos passos. O xisto será o nosso companheiro de viagem. Por vezes, os peneireiros, lá no alto, aparecem evitando a companhia. Dos lobos, a quem Teixeira de Pascoaes fazia referência, nem vê-los!
Essencialmente fica-se só, com a paisagem como catalizadora de emoções.
Para quem tiver espírito, o melhor é planear esta caminhada, ou no Outono, mas melhor será no verdejante da Primavera.
Uma boa companhia para descansar, será levar uma edição de "Maranus" de teixeira de Pascoaes, lendo vários trechos nas pousadas que frequentemente se fazem.
Levar água é essencial, bem como um lanche reforçado. Já dizia a minha avó: "os ares da serra abrem o apetite".

quinta-feira, 16 de outubro de 2008


O Marão de Teixeira de Pascoaes. O meu Marão também.

PARAÍSOS

Temos dois paraísos: o da infância
E o da velhice;
O da flor e o do fruto,
O da loucura e o da razão.
O jardim e o Pomar,
A Primavera, Deusa helénica,
O Outono, Deus da Ibéria.
O resto é Inverno até à Groenlândia
e Verão até ao Cabo

Teixeira de Pascoaes

Pega-se neste autor, pelo iniciático que existe na sua escrita relativamente à paisagem portuguesa, mais concretamente a transmontana. É um lugar de constante saudade, e dela se fez a sua escrita. Mas, escreve Jorge de Sena acerca deste autor, é uma saudade que "se volta para o futuro em que tal sentimento desempenhava o papel de uma reminiscência platonizante que fosse o motor de uma crescente humanização do universo".
E é isso que o futuro precisa, agora mais do que nunca. Parar para comungar com a paisagem, vê-la crescer dentro de nós adquirindo um sentido de conjugação, de partilha, de congregação com o presente, em direcção a um futuro melhor, menos mesquinho, onde o valor das coisas da natureza é incalculável.
Pode viver-se um presente sem vislumbrar um futuro?

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

"Maranus"



Tempo apenas para olhar o Marão e reler um pouco de "Maranus" de Teixeira de Pascoaes. Foi assim que senti, recentemente, a serra tão perto.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

CONTEMPLAÇÃO

Que resta ao homem senão prender-se na contemplação?
Olhar a chuva que cai, os montes que nos aprisionam, o mar em movimento perpétuo...
Quedar-se a olhar a Natureza, a sua casa imensa mas tão pequena para as suas atrocidades.
Pode inventar paisagens e lugares, percorrer caminhos ladeados de muros, sentar-se a ouvir os sons dos pássaros!
Pode exultar deus usando os sentidos, ou mais ainda, a alma, quando permanece na contemplação. Mas, dizia Bernardo Soares no seu Livro do Desassossego: "A natureza é a diferença entre a alma e Deus." Apesar da alma e deus estarem para lá do visível, do palpável, a Natureza, ou a sua contemplação, são o marco da transcendência humana, o caminho para o espiritual, a verdadeira vivência de qualquer "eu".
A verdade é que no alto de uma montanha, de qualquer montanha, estou mais perto de mim, daquilo que quero ser. E ao percorrer o caminho até às alturas, percorro-me para ser eu. Ou apenas para ser...!

sábado, 4 de outubro de 2008

Marão


Certo dia, Santana Dionísio escreveu: "Nenhuma outra montanha, em Portugal (e rara será a que se encontra em qualquer parte do mundo), se poderá dizer, como esta, tão intimamente ligada à obra de um grande poeta e tão decisivamente interferente no despertar do seu inspirado canto." O poeta é Teixeira de Pascoais. A serra é a maravilhosa serra do Marão.


" Ó serra consagrada, alta e virgem!

Alto Templo da terra, onde o luar

É tão saudoso canto que os penedos

E os lobos ficam tristes a cismar..."


Vê-la ao longe, não chega para a sentir. Há que a calcorrear, chegar perto de cada penedo, descer pelas suas veredas ou subir as suas escarpas para sentir o "possante eflúvio... o grandioso pórtico que é esta passagem para Trás-os- Montes.

Uma ideia para perseguir esta imponente serra e olhar para esta terra de contrastes pode ser esta


Sintam-na

sexta-feira, 3 de outubro de 2008



Do "Reino Maravilhoso"

Miguel Torga, nasceu duro como as pedras de Trás-os-Montes, e como elas há-de perpetuar-se eternamente numa visão idílica, ou num idilismo perpetuante. Porque é assim a sua escrita e é assim a paisagem de Trás-os-Montes. Forte e dura mas como jardim suspenso para ser olhado.
Esta terra é necessária ao contraste de um Portugal tão variado em paisagens geológicas (como em paisagens humanas), para evidenciar as fronteiras e os contraste, mas ao mesmo tempo, produzir a ternura necessária para quem olha e vê, de facto, um reino maravilhoso.
Às vezes mostra-se em penumbras de um frio penetrante, ou numa imensidão de calor que derrete até as pedras. Mas a dureza produz uma vida áspera, no modo de ser e estar, no modo de viver e ver. Paisagem dura, mas terna. Gente áspera, mas carinhosa e prestável.
è assim o meu reino!

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

(A)SSIMETRIAS


SOBRE A TERRA

Sei que estou vivo e cresço sobre a terra. Não porque tenha mais poder, nem mais saber, nem mais haver. Como lábio que suplica outro lábio, como pequena e branca chama de silêncio, como sopro obscuro do primeiro crepúsculo, sei que estou vivo, vivo sobre o teu peito, sobre os teus flancos, e cresço para ti.

 Eugénio de Andrade, in O Outro Nome da Terra

Jardins

Num mundo de mudanças constantes, progressivas, alucinantemente rápidas, como se a velocidade da luz fizesse parte da maior busca pela conquista do Graal, esquecemos a verdadeira arte, aquela que o homem não criou, aquela que acima de tudo criou o homem: a natureza. O homem é apenas um imitador! Criador à sua maneira, mas apenas imitador. A verdadeira arte está no modo como o universo, a natureza, rege e progride, avança, através do tempo cósmico, e não do tempo dos homens.
Os jardins, primeiro espaços selvagens e absolutamente naturais (como agora se diz "100% natural"), são eles posteriormente (ainda nesse tempo cósmico) rearanjados pela mão do homem, em que a própria palavra "jardim" apenas conhece aqui o seu verdadeiro significado. No entanto, jardim, era a criação da natureza em tudo que brotava , crescia e morria num ciclo ainda hoje ininterrupto. Jardim